terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Impressões II

Um conflito interno, penoso, dilacerante, deixa – me na terra de ninguém, um espaço entre as fronteiras do que sou, digo e faço e do que quero ser, dizer e fazer.
É dilacerante!
Tão dilacerante que depressa me leva a cair no abismo cavado pela interrogação, pela dúvida e pela incerteza.
Os meus pensamentos vogam desorganizados, pelo céu que lhes dá casa, sem que eu consiga colocar ordem neste desenfreado continuum de sensações interiores que em redemoinho , como um furioso e incontrolado tornado , varrem toda a minha paz e me deixam prostrado e sem força.
Dei abrigo , há uns dois meses atrás , a uma cadelita, forçada pelas circunstâncias a estar vadia,  e , depois da sua vinda , a minha vida ficou diferente. Tratar-se-á de uma coincidência ou haverá uma relação efectiva?!
Não sei !
( «Há!» , responderei , mais tarde…)
Quantas não são as vezes em que procuramos sinais, uns mais estranhos que outros, que ajudem a explicar as (aparentemente) pouco explicáveis mudanças na nossa condição de vida?
E depois, ao fim de bastante tempo sem que a cadela voltasse a casa, pensei: parece que me sinto mais calmo. “Era ela que me estava a trazer má sorte…”
A fé é extraordinária! É uma esperança reforçada por um elo invisível entre nós e o divino. É  como se tomássemos um whisky duplo em vez de um whisky normal.
Está difícil a minha existência neste particular momento. Estou vazio de bem-estar e cheio de dor. Tudo parece conspirar contra mim. Principalmente, eu próprio.
Vivo entre paredes carregadas de angústia. Mesmo o espaço aberto me aperta os sentidos e parece não haver lugar no mundo onde encontre paz. A desesperança se instalou.
Vida é sofrimento.
Quem nunca sofreu?! Eu, por deus, tenho a minha dose.
Abismo! Cair, é a minha única vontade.
Paralisado! Estático! Em pânico! Colado num pedaço inerte de tempo. Peso uma tonelada mas, paradoxalmente, estou pronto a ser levado pelo vento, como uma pena.
Tudo a uma distância ínfima: a luz , a beleza, o amor…
Imperfeição constante…
Encaixou a sua face na concavidade feita entre o meu ombro e o pescoço e percebi, por segundos, que podia haver uma outra saída, para além da fuga. Ficar aqui, podia ser, afinal, ter todo o mundo. Já não precisava de viajar até Nova Iorque ou Paris. Os dois corpos, ali juntos, sentados no improvisado banco debaixo da velha pereira, deram-me a sensação de tranquilidade e fizeram com que pensasse na possibilidade de encontrar a paz perdida. Foi por pouco tempo. As nuvens adensaram-se e começaram a avançar, céleres e cinzentas, em nossa direcção. Em pouco tempo a chuva começou e com ela desapareceu a ilusão que o meu desejo construíra.
- És um perdulário! – Atirou-me, mais tarde, sentada no sofá vermelho em frente ao meu.
Olhei-a, no verde da sua iris, e veio uma vontade enorme de chorar.
De súbito, o ladrar de um cão na vizinhança, alvoroçou os meus.
Agarrei-lhe a mão, olhando de novo nos seus olhos densos. A chuva que entretanto parara, recomeçou a cair, agora numa melopeia inquietante. Senti frio.
- Estou farto do inverno – disse-lhe. Os cães , quando voltam a casa, vêm todos molhados e sujos . É uma porcaria. Está sempre tudo sujo.
-Tudo na vida tem o seu tempo , Rafael. Ao inverno segue-se a primavera e é necessário ter paciência e sabedoria.

(Sabedoria paciente, pensei)


- escrito em Novembro ou Dezembro de 2013 - 

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