sábado, 2 de janeiro de 2016

"O país dos saqueadores " de Daniel Adrião ( revista Sábado de 31.12.2015)

Dezembro 31, 2015
Foi preciso esperar até ao final de 2015 para que os portugueses finalmente descobrissem as verdadeiras razões que os levou a ter de cumprir uma pena de quatro anos e meio de trabalhos forçados. Hoje é claro que os penosos sacrifícios a que os portugueses foram condenados, sem apelo nem agravo, se destinaram a pagar as operações de saque perpetradas por um bando de malfeitores e fora-de-lei, financiado por um sistema bancário sem rei nem roque.
 
Agora percebe-se melhor a sangria desatada dos banqueiros, quando em Maio de 2011, para salvar a sua própria pele, forçaram o país a uma rendição incondicional aos credores, fazendo um xeque-mate ao então governo, provocando uma crise política sem precedentes e criando as condições propicias para a subida ao poder de um governo que teve como principal missão culpabilizar os portugueses pela crise do sistema bancário e colocar-lhes em cima a canga dos prejuízos.
Depois do BPN, do BPP e do BES, foi preciso esperar pelo Natal pós-PàF, para que nos saísse na rifa a fava do Banif. Uma conta de 3 mil milhões de euros de prejuízos causados por uma gestão ruinosa, cuja falência foi deliberadamente ocultada e empurrada para depois das eleições e que atingiu foros de tal escândalo, que o próprio Presidente do Loyds Bank, Horta Osório, veio a terreiro exigir uma auditoria externa à governação do banco. Mas o problema maior é que as más notícias podem não ter sido ainda todas dadas, uma vez que há fortes desconfianças que haja mais "esqueletos escondidos no armário" do sistema financeiro português. Isto é, pode haver mais bancos falidos fechados no cofre-forte do Banco de Portugal à espera da melhor oportunidade para pedir resgate.

Até ver, a factura paga pelos contribuintes para salvar o sistema bancário já vai em mais de 13 mil milhões de euros. Um valor que é sensivelmente o dobro de tudo o que foi espoliado aos portugueses só em cortes nos salários e nas pensões ao longo dos últimos quatro anos e meio.
Mas os portugueses ficaram esta semana a saber, que contrariamente àquilo que lhes tinham feito crer, não é forçoso que a falência dos bancos tenha de ser integralmente paga pelos bolsos dos contribuintes. A decisão tomada esta semana de chamar os grandes investidores do BES, até agora a salvo, a pagar parte dos prejuízos do banco, para que os pequenos investidores possam ser ressarcidos das suas perdas, é a prova de que é possível evitar que seja sempre o justo a pagar pelo pecador.

De uma coisa não restam dúvidas, o pais tem vindo a ser copiosamente saqueado, quer interna quer externamente ao longo destes últimos anos. O resgate que nos foi imposto pelo sindicato dos banqueiros, tem-se vindo a revelar um negocio chorudo para os credores. Este ano a troika de credores vai receber, só em juros, quase 9 mil milhões de euros. Isto é, cerca de 5% do PIB. O que faz de Portugal o país da União Europeia que mais gasta com juros em percentagem do PIB. Mais do que a própria Grécia.
Talvez assim seja mais fácil de compreender porque razão Portugal é, segundo a OCDE, um dos países mais pobres e desiguais do mundo. E já não são só as organizações internacionais a dizê-lo, são também os próprios bancos.
De acordo com um estudo recente do banco americano Morgan Stanley, Portugal é o campeão da desigualdade entre os países desenvolvidos. Entre os 20 países que foram estudados, Portugal é aquele que regista os maiores índices de desigualdade, por obter classificações negativas em praticamente todas as componentes do índice, que mede, designadamente: a desigualdade na distribuição do rendimento; a dispersão salarial, que leva em conta factores como a variação real dos salários ou a desigualdade de género; a inclusão no mercado de trabalho, que leva em conta factores como o desemprego jovem, o trabalho parcial involuntário ou o desemprego dos mais qualificados; os serviços de saúde fornecidos à população; e o acesso à economia digital.
Para aqueles que possam estar preocupados com o eventual impacto negativo que a recente decisão de fazer os grandes investidores pagar os prejuízos do BES, possa ter na atração de investimento estrangeiro para Portugal, é bom que saibam que o que diz o estudo do Morgan Stanley é que os níveis de desigualdade de um país contam para as opções de investimento. O que segundo o banco, se explica pelo facto de a desigualdade alterar a distribuição do consumo e das poupanças, assim como da alocação dos recursos. Segundo alerta o estudo do banco americano: "Se a distribuição é demasiado desigual ao longo do tempo, com uma diferença crescente e persistente entre os que estão no topo e na base da escala, impede a participação generalizada nos ganhos de bem-estar com o crescimento e, a prazo, arrisca-se a corroer a estrutura económica e social de um país". Os analistas do banco alertam ainda para a possibilidade de ocorrência de disrupções nos modelos de negócios e no consenso social, conduzindo a erros de política.
Quando bancos como o Morgan Stanley, insuspeitos de simpatias keynesianas, afirmam preto no branco que a desigualdade é inimiga do investimento e que Portugal está no topo da escala, percebemos melhor o efeito devastador que teve no país a mono-agenda de empobrecimento que marcou os últimos quatro anos e meio.
É por isso tudo isto, que depois do que se passou recentemente com o Banif, ninguém estará disponível para voltar a aceitar que mais dinheiro dos espoliados contribuintes sirva para salvar bancos. Daqui para a frente os saqueadores vão ter de ser obrigados a pagar o prejuízo dos bancos com o produto do saque. Vão ter de aprender que a vida custa a todos, principalmente aos mais pobres.

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