sábado, 20 de fevereiro de 2016

O CASAMENTO NÃO É PARA XONINHAS

«Soube há pouco de mais dois amigos que se separaram. Assim, calma e civilizadamente, com uma certeza que arrepia, especialmente a quem, como eu, os conhecia e imaginava impossível esse desfecho.
Davam-se bem, eram compatíveis, no mesmo patamar intelectual, lavadinhos e cheirosos e ele diz-me “Estava farto daquilo, do de sempre, a vida há-de ter mais para mim”.
Não tive resposta na ponta da língua, como é meu hábito. Turvou-se-me o olhar e a voz na garganta. Tenho-a agora.
– A vida vai trazer-te mais coisas, com certeza. Não sei é se serão melhores.
Fomos criados no mundo dos estímulos, do consumo, da vertigem e nada nos chega.
Os nossos filhos nunca são suficientemente bons, bonitos ou geniais e enchemo-los de dietas, laços e desportos. O emprego é sempre aquém do que queremos ou podemos fazer. O carro está velho e a casa pequena. Os amigos estão maçadores e cheios de defeitos, o cinema cheira a mofo. Já ninguém come carne guisada com ervilhas porque o Oliver inventou que cozinhar é sexy e há sempre coisas mais difíceis e estimulantes para fazer.
É assim no amor e no desamor.
Não acho que as pessoas devam ficar juntas toda a vida se não se amam ou respeitam e sou profundamente grata ao Criador pela invenção do divórcio que os seus pastores não defendem. Às vezes enganamo-nos com as pessoas como nos enganamos com tanta coisa e devemos ter o direito de pedir desculpa e bater em retirada. Nem aos meus filhos eu obrigo a comerem o que não gostam até ao fim. Mas levo-os a experimentarem e insistirem um bocadinho até que percebam se não gostam mesmo ou só estranham o desconhecido.
Passei os olhos pelos títulos das revistas, pelos posts dos blogues e tudo nos diz que o amor deve ser espectacular, que na cama devemos dar duplos mortais encarpados, que o próximo jantar deve ser confitado com uma merda qualquer, que a próxima viagem tem que envolver destinos exóticos e comidas afrodisíacas. Que não podemos aparecer doentes ao nosso amor, que ele tem que usar aquelas camisas upgraded com dois colarinhos, mesmo quando está a cortar lenha, que ele tem mesmo que cortar lenha ainda que em casa só haja radiadores e que nós temos que lavar a loiça em cinto de ligas e acessórios bondage.
Ninguém defende mais do que eu que as relações devem ser cuidadas, que o amor não resiste sem cerimónia, encanto e pequenos truques de magia. Mas isso é o que se faz ao amor, não é o amor em si mesmo. O amor também é acordar despenteado e dar um beijo antes de lavar os dentes sem achar estranho, pedirmos mimo quando estamos doentes e parecemos um cruzamento do Nel Monteiro com o Chucky – o boneco assassino. E ver um filme, beber café, discutir, chorar, perder a fé, fazer cedências, ficar doido ou doida de raiva, desiludirmo-nos, desencantarmo-nos, pedir desculpa com ou sem razão e com ou sem intenção. É sair à noite e dançar e dar beijos na boca como se fosse a primeira vez, quase fazer amor no carro tal é a urgência. É a feira da semana e o supermercado aos gritos e nem se dar por isso ou dar-se mesmo por isso e pensar que nós é que temos razão quando queremos comprar online e porque é que eu ainda vou na conversa deste/a gajo/a.
É adormecer sossegado e protegido como um bebé e acordar feliz porque está ali o cheiro do outro que já passou a ser nosso ou rabugento porque ele/a acendeu a luz – Para quê? Se me amasses partias os dedos dos pés e pisavas o gato mas não acendias a luz enquanto eu estou a dormir. O amor é uma coisa simples que às vezes se torna excitante. Há noites em que é ácido como limão. Mas é um alimento certo, uma refeição quente, de casa. Garantida. E vem das mais diversas formas.
– Já chegaste?
– Já. Está muito frio. Agasalha-te bem, a ti e às crianças.
Não sei o que é que a vida nos pode reservar que seja muito melhor que isto. »


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sábado, 6 de fevereiro de 2016

A aldeia

A aldeia , é uma espécie de casa grande.

Quase todos se conhecem , todos se cumprimentam e , quando é necessária , a entreajuda surge naturalmente . Uma família alargada , portanto , com tudo o que existe nos agregados de sangue: solidariedade , amor fraterno , presença , união de esforços ,  mas também divergência de opiniões , algumas zangas e , por vezes , oposição impetuosa entre alguns dos seus membros .

Viver na aldeia é ter um manto protector sobre a alma. Facilmente encontramos pessoa amiga quando a solidão aperta , a tristeza nos atinge ou a doença nos afecta. Em sentido oposto , é também com naturalidade que encontramos com quem partilhar a alegria e os momentos felizes.

Viver na aldeia é poder saborear o silêncio , só ou em companhia.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sol de Inverno

O sol quente faz-me esquecer que ainda é Inverno.
Entra agora pela janela larga da sala , sem pudor, sem pedir licença. Parece chamar-me...
Vou então para a poda das macieiras , prepará-las para a frutificação , com uma luz ampla e nítida , uma tesoura nas mãos , um boné na cabeça e um sorriso de menino desenhado no rosto.

O pensamento

«A chave de todo ser humano é o seu pensamento. Resistente e desafiante aos olhares, tem oculta uma norma , a que obedece, que é a ideia ante a qual todos os seus factos são interpretados. O ser humano só poderá ser reformado mostrando-lhe uma ideia nova que supere a antiga e traga comandos próprios.»




Ralph Waldo Emerson

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Normalidade

" Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril. "
- Oscar Wilde

(roubado a Nakkedsoul Nakkedsoul , FB , 1fev16)