quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Vivências

16 de Novembro de 2016

Recostado no sofá da pequena biblioteca/escritório , onde passo largas horas do meu tempo , vou tentando sintetizar as emoções vividas durante o dia que começou relativamente cedo e ainda perdura neste momento ( 23H15) em que escrevo. O momento é de silêncio e de escuridão exterior .
Neste processo interior , estou acompanhado por cigarros implacavelmente assassinos , disfarçados de bons e voluntariosos amigos .

Pela manhã , na Antena 2 , ouvi , algo incompletamente , a história de um angolano - Adolfo Maria - ex - alto dirigente do MPLA , hoje escritor e que , durante um certo período de tempo da sua vida ( quase um ano ) , no decorrer da guerra civil pós-independência ( 1976 ) se viu forçado ao anonimato e à solidão. Ele estava , por essa altura , num lado diferente do do MPLA e isso obrigou - o a fugir , digamos assim , para não ser preso , torturado e/ou morto. Contudo, foi uma fuga peculiar , porque consistiu na verdade numa auto-reclusão , num apartamento exíguo , de onde muito raramente saía . Estava portanto preso numa espécie de cárcere compulsivo , confinado a um espaço apertado , em que só a ausência de guardas o fazia distinguir de uma verdadeira prisão , segundo ele próprio relata.Nesta circunstância peculiarmente difícil , usou da memória para ocupar o tempo , escrevendo.
Levavam-lhe os mantimentos necessários e ali se manteve até que os ânimos acalmaram e lhe permitiram sair de Angola.
Por estes dias - Novembro de 2016 - vê essa parte da sua vida , adaptada a uma peça teatral com o nome: "Um pássaro é mais do que a sua jaula" , que estreará na Casa do Coreto , Carnide , Lisboa.

Circunstâncias tão difíceis moldaram , seguramente , esta pessoa para sempre, Como bem mencionava o encenador da peça - Guilherme Mendonça - a grande maioria das pessoas não passa , no seu tempo de vida , por dificuldades desta grandeza que , além do mais , tiveram efeitos na história de um povo , no caso , o angolano. Para grande parte de nós há dificuldades sim mas não deste tipo.

À noite , na RTP1 ,  graças à box , vi o primeiro episódio da série HUMAN , realizada por
Yann Arthus-Bertrand , francês, repórter e fotógrafo ambientalista , que tem uma vasta obra publicada ,  sejam livros , reportagens em revistas de relevo mundial ou filmes sobre a natureza . Para esta série/filme/documentário , que também se encontra no Youtube (o autor cedeu as imagens , gratuitamente), andou por mais de 60 países , durante mais de dois anos recolhendo  mais de dois mil depoimentos de pessoas com uma característica comum: uma marcante história de vida.
Ficamos num silencioso espanto a ver as imagens da TV. Um fundo preto , aveludado , serve de cenário às declarações daqueles que passaram ( ou passam ) por situações de dor , angústia , perda , fome , guerra , doença ou outra de extrema dureza ou privação. A par destas mensagens comoventes , imagens lindíssimas deste planeta que habitamos .

Quer o relato ouvido pela manhã , na Antena2 , quer o episódio passado na RTP1 , deixaram-me a pensar que a minha condição de vida , que é  , felizmente , a de muitas pessoas , é boa , pacífica e de qualidade , tão distante daquelas que ouvi e vi relatadas , na rádio e na televisão . Não tenho por isso , não temos nós , os que têm casa , família , pão na mesa , cama sob tecto seguro , trabalho e recursos suficientes  , nem o direito , nem moral para queixas ou reclamações fúteis.

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