terça-feira, 7 de agosto de 2018

Fim do dia. Talvez umas sete , sete e meia da tarde. Bem sei que no verão o final da luz do dia é mais tarde mas para mim , tinha determinado que aquele momento é que marcaria o fim do dia. O céu estava grandemente manchado de fumo cinzento por causa de um incêndio que acabara de deflagrar e se adivinhava sério e feio. Parámos no pequeno café à saída do lugar, para dois dedos de conversa com o dono , um homem de meia idade avançada , que estava quase sempre sentado na esplanada , a fumar o seu cigarro. O espaço , remodelado há pouco tempo , mantinha ainda traços e memórias da taberna de aldeia que sempre fora. Lá dentro , o ar era desagradável , mas na pequena esplanada não se estava mal. Ficámos ali por um bocado . Eu bebi uma cerveja e Ana tomou um café . O dono , António , ocupou-se com uns clientes que entretanto tinham chegado e nós ocupámos o tempo com os smartphones. Entretanto fiz duas chamadas que precisava e de seguida abalámos. Ana sugeriu ir mostrar-me os vinhedos que ali tinham sido plantados há cerca de uns seis anos , quase tantos como os anos da minha ausência naquelas paragens , e depois da visita seguimos silenciosamente até à nossa "casa" temporária. , ouvindo o 'Lamento de Dido' de Purcell que o Carlos estivera a ouvir na noite anterior. Nem o ronronar nem os outros ruídos que o carro antigo fazia na estrada de terra batida , se ouviam. A voz da soprano inundou por completo o habitáculo do automóvel e os nossos pensamentos ficaram submersos sob tão intensos acordes . Não me apetecia que a viagem tivesse fim, pensei. De súbito , um burro zebra começa a correr , urrando violentamente , ao nosso lado acompanhando o movimento do carro até ao canto da propriedade , local onde por certo deve ser habitualmente alimentado. Estaria com fome e aquela podia ser a hora a que normalmente o saciavam pelo que nos confundiu com os seus tratadores. Lamentei não ter forma de amenizar a sua necessidade e continuei conduzindo lentamente o carro pela estrada poeirenta. O sol , encoberto pela espessa nuvem de fumo e já muito próximo de beijar o mar , mais parecia a lua que o astro-rei de tão pequeno que estava. Toquei suavemente na sua mão e Ana olhou para mim.

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