domingo, 26 de agosto de 2018

Não sei que horas eram. Podia ser uma qualquer hora , pouco importava. A noite já há muito tinha caído , isso era certo. Entraram na casa em silêncio e dirigiram-se para a pequena saleta , logo ao lado da sala de jantar , onde ele costuma ver televisão ou sentar-se a ler . Os cabelos lisos , soltos , perfumados e pretos , roçaram fortuitamente a sua face no momento em que se aproximaram da porta de acesso àquela divisão da casa e ele a deixou, gentilmente, passar à sua frente . O frémito causado foi de tal ordem que foi como se o universo tivesse parado por uns milésimos de segundo ou uma reedição do terramoto de 1755 estivesse a decorrer.
Não conseguia acalmar-se. Parecia um adolescente em primeira viagem de paixão. Quis comunicar-lhe a imensa alegria ( era muito mais do que alegria) que era ali estar a sós com ela e como o mundo se transformava num lugar mais bonito e harmonioso, justo e pacifico , sempre que estava a seu lado mas ficou mudo. Não durou muito o silêncio ! Para disfarçar o nervosismo e o embaraço patético / cruel de um tímido , começou a falar torrencialmente : do que tinha feito durante o dia , das últimas notícias , do tempo que fizera , da família, o sobrinho engenheiro de sucesso e a irmã professora , do cão que acabara de adoptar , dos ,( muito provavelmente) , irrealizáveis projectos que tinha pela frente, da política em geral e do governo em particular , na expectativa de encontrar o momento ideal para lhe revelar o que por ela sentia. Os segundos tanto pareciam durar uma eternidade como , logo a seguir , pareciam esvair-se à velocidade da luz. Ela respondia , acrescentava , opinava , acompanhando as palavras com gestos suaves e expressivos movimentos das mãos onde ele leu coisas que por certo eles verdadeiramente não diziam.
Mãos elegantes magnetizam-no ! Compõem um bailado peculiar que se torna mais importante que a voz que o acompanha . Podem dizer mais que a boca.
Foi precisamente com aquelas bonitas mãos que Cristina pegou no telefone e ligou à sua amiga Margarida ; logo depois , disse - lhe : " Vou-me embora ".

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