Um conflito interno, penoso, dilacerante, deixa – me na
terra de ninguém, um espaço entre as fronteiras do que sou, digo e faço e do
que quero ser, dizer e fazer.
É dilacerante!
Tão dilacerante que depressa me leva a cair no abismo cavado
pela interrogação, pela dúvida e pela incerteza.
Os meus pensamentos vogam desorganizados, pelo céu que lhes
dá casa, sem que eu consiga colocar ordem neste desenfreado continuum de
sensações interiores que em redemoinho , como um furioso e incontrolado tornado
, varrem toda a minha paz e me deixam prostrado e sem força.
Dei abrigo , há uns dois meses atrás , a uma cadelita,
forçada pelas circunstâncias a estar vadia,
e , depois da sua vinda , a minha vida ficou diferente. Tratar-se-á de
uma coincidência ou haverá uma relação efectiva?!
Não sei !
( «Há!» , responderei , mais tarde…)
Quantas não são as vezes em que procuramos sinais, uns mais
estranhos que outros, que ajudem a explicar as (aparentemente) pouco
explicáveis mudanças na nossa condição de vida?
E depois, ao fim de bastante tempo sem que a cadela voltasse
a casa, pensei: parece que me sinto mais calmo. “Era ela que me estava a trazer
má sorte…”
A fé é extraordinária! É uma esperança reforçada por um elo
invisível entre nós e o divino. É como
se tomássemos um whisky duplo em vez de um whisky normal.
Está difícil a minha existência neste particular momento.
Estou vazio de bem-estar e cheio de dor. Tudo parece conspirar contra mim.
Principalmente, eu próprio.
Vivo entre paredes carregadas de angústia. Mesmo o espaço
aberto me aperta os sentidos e parece não haver lugar no mundo onde encontre
paz. A desesperança se instalou.
Vida é sofrimento.
Quem nunca sofreu?! Eu, por deus, tenho a minha dose.
Abismo! Cair, é a minha única vontade.
Paralisado! Estático! Em pânico! Colado num pedaço inerte de
tempo. Peso uma tonelada mas, paradoxalmente, estou pronto a ser levado pelo
vento, como uma pena.
Tudo a uma distância ínfima: a luz , a beleza, o amor…
Imperfeição constante…
Encaixou a sua face na concavidade feita entre o meu ombro e
o pescoço e percebi, por segundos, que podia haver uma outra saída, para além
da fuga. Ficar aqui, podia ser, afinal, ter todo o mundo. Já não precisava de
viajar até Nova Iorque ou Paris. Os dois corpos, ali juntos, sentados no
improvisado banco debaixo da velha pereira, deram-me a sensação de
tranquilidade e fizeram com que pensasse na possibilidade de encontrar a paz
perdida. Foi por pouco tempo. As nuvens adensaram-se e começaram a avançar,
céleres e cinzentas, em nossa direcção. Em pouco tempo a chuva começou e com
ela desapareceu a ilusão que o meu desejo construíra.
- És um perdulário! – Atirou-me, mais tarde, sentada no sofá
vermelho em frente ao meu.
Olhei-a, no verde da sua iris, e veio uma vontade enorme de
chorar.
De súbito, o ladrar de um cão na vizinhança, alvoroçou os
meus.
Agarrei-lhe a mão, olhando de novo nos seus olhos densos. A
chuva que entretanto parara, recomeçou a cair, agora numa melopeia inquietante.
Senti frio.
- Estou farto do inverno – disse-lhe. Os cães , quando
voltam a casa, vêm todos molhados e sujos . É uma porcaria. Está sempre tudo
sujo.
-Tudo na vida tem o seu tempo , Rafael. Ao inverno segue-se
a primavera e é necessário ter paciência e sabedoria.
(Sabedoria paciente, pensei)
- escrito em Novembro ou Dezembro de 2013 -
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