segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Armar

 No enlevo do odor magnífico que as narinas captaram enquanto caminhava pela rua vazia e molhada , regressou aos idos de infância numa fracção tão pequena de tempo que , quando acontece , o deixa sempre ligeiramente aturdido; mas foi incapaz de identificar quer o cheiro quer as memórias que este em tão breve instante lhe trouxera. Uma pequena derrota , a somar a outras tantas deste calibre que ultimamente amealhava .Continuou a passeata por trajecto aleatório que mais tarde o reconduziria a casa enquanto a noite  lhe ia caindo suavemente sobre os ombros.

A luz dos postes públicos já se acendera e a caminhada fazia-se  por entre  trechos iluminados e outros de semi-obscuridade uma vez que na aldeia , nas ruas secundárias , a iluminação pública é deficiente.

Os últimos tempos não estavam a ser nada fáceis de gerir e de viver. não havia nada realmente importante ou significativo que o atormentasse do género , problemas de saúde ou de dinheiro ,querelas familiares insolúveis ou problemas laborais. não , nada desse teor , nada até de concreto . Eram as pequenas coisas. as palavras , os desencontros , os resquícios de uma perturbação obsessiva compulsiva mal resolvida , a incompletude na acção que o deixavam em permanente desassossego .Por isso, pensando melhor , a coisa era séria e em momentos poder-se-ia dizer , tenebrosa porque era a sua própria vida que via escorrer pela ampulheta do tempo sem estar a conseguir fazer dela fosse o que fosse. então, essa inquietação permanente não o largava. um misto de raiva e frustração corroíam-lhe lentamente a mente e a alma ,uma espécie de lume brando, como se costuma dizer. Apetecia-lhe muitas vezes desistir , acabar com tudo , deixar tudo para trás e algumas vezes pensava em por termo à vida mas isso era coisa que não seria capaz de realizar não sei se por cobardia medo ou um desejo superior de continuar vivo,. Estava assim numa espécie de beco sem saída de onde tentava sair a todo o custo.


Um sopro ligeiro de vida mas as dúvidas mantêm-se . O incómodo também. A esperança é que ressurgiu o que é um enorme contributo. O caos da sua vida não se alterou.

Os óculos pretos ,de massa, acima da inevitável máscara dos dias de hoje emolduravam uma cara jovem que lhe pareceu alegre e jovial. Mulher nova ainda que a retina captou e lhe ficou na memória saindo da repartição com vontade de lá ter que ir novamente. 

Estava suado e mal vestido , a chuva miúda , uma humidade incómoda que atrapalhava tudo , a juntar ao atraso habitual e à falta de estacionamento usual tinham-no colocado ali , além de despenteado , enormemente nervoso e ansioso como se estivesse na maternidade à espera de notícias de paternidade. Um horror medonho! Mesmo assim aguentou firme o tumulto interno e foi capaz de se fazer entender junto da sua interlocutora. Ficou surpreso pela forma rápida como foi atendido e mais ainda quando lhe comunicaram que o assunto estava resolvido. Ainda perguntou duas vezes:

- tem a certeza que está tudo regularizado ?!

- sim, esteja descansado. os colegas trataram de tudo. não se preocupe mais.

O tempo , esse , não dera tréguas com a chuva a continuar a cair caladinha mas persistente. Uma grande fila de carros esperava-o quase logo que saiu do lugar de estacionamento mas isso ajudou-o a relaxar contrariamente ao habitual. Podia conduzir devagar sem a costumeira preocupação com acidentes imaginários 




sábado, 19 de dezembro de 2020

 dias estranhos os que vivemos e de que ninguém escapa. Acabo a volta com os cães e sento-me para escrevinhar umas linhas na expectativa de encontrar alguma paz interior. Este mês de dezembro está a ser  , para mim , muito confuso. Ao Covid e às suas implicações , somam-se desencontros pessoais, crises de crescimento e questõezinhas da vida .