sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Não era a mãe quem realmente o atormentava. O que o perturbava era a sombra tutelar da mãe. A sombra que ele julgara ter sido realmente a sua mãe.

De raspão

Qualquer coisa , ainda agora , ficou lá trás no tempo. Impossível recuperá-la mesmo com um esforço suplementar de memória. Ponho nas coisas palpáveis a origem dessa "perda": será que a torneira ficou fechada , a luz desligada , a fogueira apagada , ... e assim por diante. Mas o que perdi , o que deixei lá a trás foi um pensamento ou uma sensação provocada pelo espaço físico onde me encontrava ou , ainda ,  um sentimento nascido da interacção com as pessoas presentes que sou agora incapaz de recordar , de interiorizar, de expressar. Sentimentos , sensações , percepções , impressões . Como as penas. Quase imperceptíveis Mas marcantes

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Encontro com o passado

Já passava bem das duas da manhã quando se levantou da cadeira que o sustentava há mais de três horas e foi com dificuldade física que o fez. Naquele curto espaço de tempo em que ali esteve sentado,pareceu-lhe ter envelhecido uns anos , tais eram as dores sentidas quando , depois das despedidas feitas, caminhou até ao carro estacionado bem perto da casa de onde acabara de sair. Talvez tivessem sido os inúmeros cigarros fumados ou então fora a mistura de bebidas que fizera do jantar em diante , a verdade é que se sentia velho , muito velho mesmo. A par dessa incómoda sensação , uma terrível dor de cabeça mal o deixava raciocinar. Não obstante , lá alcançou o carro e conduziu  até casa sem qualquer sobressalto. Pelo menos , não estava o frio das duas noites anteriores , o que já não era mau de todo.
Percebeu mais tarde e mais uma vez as intermitências fracturantes que a sua vida tivera. Principalmente os amigos que deixou de ver sem que para tal encontrasse uma razão razoável , digamos assim. Acontece amiúde , sabia , mas com ele acontecera quase sempre , como uma norma , um padrão , do seu carácter. A estranheza , angustiante , era a da impossibilidade de remediar esse grande erro ( o tempo não volta atrás . É impossível recuperá-lo ! ) de ter deixado de ver as pessoas com quem um dia conviveu e de quem gostou. Algo dolorosa essa inexplicabilidade !


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

domingo, 25 de dezembro de 2016

Natal

Uma brisa fria penteia-me os ombros descobertos que o lençol não consegue tapar , enquanto , em fundo , ouço Lhasa de Sela , trovadora americana , que em 2010 , vítima de cancro , morreu aos 37 anos e que descobri por acaso.

O Natal acabou de passar pelo rés-do-chão e depois disso subi até aos meus aposentos para um necessitado recolhimento , não com muito natal em mim porque esse tempo talvez já tenha passado , mas com um relativo aconchego na alma e algum calor no coração.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Música

De novo a música a encher-me a solidão de companhia. Vozes e sons de gente como nós que teve o dom de poder exprimir em voz cantada e em melodia a inquietude interior , que cada um de nós toma como sua em determinados momentos da vida.

Dúvidas


Tenho é que ter calma !
(Ninguém nos coarcta as palavras . Como o poderiam fazer numa terra livre?!)

Tenho é que ter calma , a calma suficiente para ouvir a voz que vem de dentro , acalmar o vulcão interior , esse que atiça os nervos e me excita , talvez de boa fé , porventura querendo proteger - me , ao querer afastar de mim o medo , o medo do outro e do que o outro pensa sobre mim .

Tenho é que ter calma , sim , a calma bastante para escutar o outro e perceber o que sente e me quer dizer. 

Domingo. Já não é cedo !

Tenho medo de me abrir , de dar a conhecer o verdadeiro eu que existe em mim.
Acontece - me , por vezes , ter a noção de serem as pessoas que me rodeiam que me impedem de falar , de exprimir o que vai dentro de mim , de mostrar quem sou verdadeiramente . Mas essa é , seguramente , uma crença falsa , uma ideia errada , um preconceito .

A existência é (uma coisa) bela! Poder exprimir o que sentimos e dizer , falando , como somos e quem somos é característica única da espécie humana e é uma coisa maravilhosa . Todos os animais (e as plantas à sua maneira ) comunicam entre si. Pelo cheiro , pelos movimentos do corpo , das patas , focinho , orelhas , olhos, dentes , todos eles comunicam. Mas nós , homens e mulheres , humanos , para além disso , falamos. Falamos e interpretamos o que as palavras , e como são ditas , querem dizer. Temos essa coisa (milagrosa e mágica) da voz audível e soletrada. Entendemos-nos , também , através e pelas palavras .


quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Um copo de Dão em Viseu

«Um copo de Dão em Viseu
Sob a sagaz moderação de Jorge Sobrado, decorreu ontem em Viseu um interessante debate sobre o lugar do vinho na Bíblia. Perante uma assistência atenta e bem humorada, segurando na mão copos de delicioso vinho do Dão, falou-se de vários aspectos que logo se impõem à nossa imaginação quanto pensamos no lugar do vinho na Bíblia – desde a embriaguez de Noé à transformação de água em vinho nas famosas bodas de Caná (não menos famosamente pintadas por Paolo Veronese, que se retratou a si próprio e ao seu colega de ofício, Tintoretto, como músicos na festa bíblica). E é claro que não pôde ficar ausente o vinho que o mistério da Eucaristia transforma em sangue de Cristo. Mas sobre este tema revelaram-se-nos algumas supresas…
O cristianismo é muitas vezes sentido por cristãos e não-cristãos como a religião do pão e do vinho. Mas não deixa de ser curioso pensarmos sobre o lugar por vezes impalpável do vinho no Novo Testamento, contrastando-o com a palpabilidade plena do pão. Basta dizer que a palavra «pão» («ártos», em grego) ocorre 97 vezes no Novo Testamento, ao passo que a palavra «vinho» (em grego, «oînos») ocorre apenas 34 vezes. Se lermos o primeiro livro do Novo Testamento, o Evangelho de Mateus, verificamos que «vinho» ocorre 4 vezes, ao passo que «pão» ocorre 21. Mais curioso ainda: 3 dessas 4 ocorrências no Evangelho de Mateus são no mesmo versículo (9:17), na frase de Jesus sobre o vinho novo/velho em odres novos/velhos. A 4ª ocorrência da palavra «vinho» é quando, já no calvário, é dada a Jesus a mistura de vinho com fel.
No Evangelho de Marcos, a situação é a mesma: a palavra «vinho» ocorre 4 vezes na frase sobre os odres (2:2) e novamente no calvário, quando dão a Jesus vinho misturado com mirra. Em Lucas, temos de novo os odres (5:37, 38), mas não temos bebidas forçadas na cena da crucificação. Há ainda duas referências a João Baptista como alguém que não bebe vinho (1:15; 7:33); e a palavra «oînos» (vinho) surge na receita da mezinha aplicada pelo Bom Samaritano nas feridas da vítima de assalto e espancamento. No Evangelho de João, por seu lado, a palavra «vinho» surge somente a propósito das bodas de Caná.
Quem está a ler estas anotações já se deu conta de uma circunstância intrigante: nos relatos da instituição da Eucaristia que lemos em Mateus, Marcos e Lucas (João não relata a instituição da Eucaristia), não aparece a palavra «vinho». Aparece explicitamente a palavra «pão». Mas não «vinho». É só indirectamente que somos informados da natureza do líquido que está no «cálice» (em grego, «potêrion») que Jesus levanta e afirma ser o seu sangue, quando nos 3 evangelhos ele diz que não provará do fruto da videira «até àquele dia em que o beber, novo, convosco no reino do meu Pai» (Mateus); ou «não bebo mais do fruto da videira até o beber, novo, no reino de Deus» (Marcos); ou «não bebo a partir de agora do fruto da videira até chegar o reino de Deus» (Lucas). A palavra para «fruto» é em todas estas frases um vocábulo anódino e abstrato («génnêma»: como que «coisa nascida» da videira). A palavra não nos sugere nem a beleza nem a suculência de uma uva. Muito menos a fragrância, o corpo e a macieza de um vinho do Dão.
No entanto, Jesus era tido como «bebedor de vinho» (em Lucas 7:34 a palavra é «oinopótês»), em contraste com João Baptista, que era totalmente abstémio. As pessoas que, como eu, se interessam pela história fascinante dos primeiros séculos do cristianismo sabem que, entre os muitos cristianismos inicialmente vigentes, havia formas de cristianismo que preconizavam, a par da total abstenção de sexo, a total abstenção do vinho. Isto - mesmo tendo em conta a paucidade desconcertante de ocorrências da palavra «vinho» nos evangelhos - parece-nos contraditório com a imagem de Jesus como «bebedor de vinho». Contudo, temos motivo para pensar que o primeiro cristianismo não teria sido lá muito enófilo se olharmos para a epistolografia de Paulo tida como autenticamente escrita pelo apóstolo, no seio da qual encontramos uma única ocorrência da palavra vinho, numa frase na qual os fãs do Dão ontem em Viseu não se reviram por aí além: «é bom não comer carne nem beber vinho» (Romanos 14:21). Esta é, pois, a única vez que, nas cartas autênticas de Paulo, encontramos a palavra «vinho». Nas cartas tidas como escritas por outras pessoas em nome de Paulo, lemos avisos contra a ingestão de vinho (Efésios 5:18; 1 Timóteo 3:8); em especial, numa frase pouco caridosa, as senhoras de mais idade são avisadas para não serem escravas do vinho (Tito 2:3).
Será que estes primeiros autores cristãos pensavam que o vinho fazia mal? Talvez não fosse isso: um destes autores recomenda ao seu destinatário que não beba só água, porque os seus problemas de estômago mitigar-se-iam se ele bebesse um pouco de vinho (1 Timóteo 5:23). O problema não era, nas suas cabeças, o facto de o vinho «fazer mal», mas antes de «fazer bem». Como o sexo, dá prazer. Portanto: Deus nos livre.
Seja como for, é claro a partir das palavras ditas por Jesus na última ceia que, no reino de Deus, haverá vinho. Vinho «novo».
Não sei qual é a vossa opinião, mas pessoalmente não gosto de vinho tinto «novo».
Ontem, no evento do vinho do Dão, pareceu-nos claro a todos que vinho «novo», como Jesus promete aos discípulos no Evangelho de Mateus, não é preferível a vinho cuidadosamente envelhecido graças à sabedoria enológica que vigora, em pleno século XXI, em terras do Dão . Portanto, antes do espiritual «século vindouro» que nos trará a ingestão celestial da «coisa nascida da videira, nova» (por alguma razão este líquido nem merece o nome de «vinho» na passagem do evangelho…), é aconselhável, enquanto cá andarmos, tirarmos o melhor partido possível do vinho criteriosamente envelhecido. Somente a bem do estômago, claro :)
(NOTA: esta interpretação humorística da palavra grega «kainón» em Mateus 26:29 não esgota as possibilidades de interpretação da sintaxe de frase, pelo que remeto, para uma consideração séria do problema, para a p. 145 da minha tradução dos Quatro Evangelhos.)
(na imagem: pormenor das Bodas de Caná de Paulo Veronese, onde vemos o próprio pintor e o seu colega Tintoretto retratados com instrumentistas)»

Frederico Lourenço - FB 4dez16

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Acima de tudo mostrar o amor

«Acima de tudo, mostrá-lo (o amor)
O termo inglês “negging” tem vindo a ser utilizado no âmbito de uma pseudo-ciência – de que há, ao que parece, alguns profissionais infamemente conhecidos – que consiste em sistematizar a psicologia daquilo que leva uma pessoa que não se sente atraída por alguém a deixar-se manipular sexualmente por esse alguém, mercê das técnicas de “negging” que esse alguém consegue empregar.
A questão ilumina o assédio constante de que tantas mulheres são alvo por parte de homens a quem assenta, em primeiro lugar, o termo “anormais”, depois “crápulas” e depois... escolham vocês.
Para um estudioso da Antiguidade Clássica como eu, este debate é pertinente devido à “evidência” que ressalta incessantemente na literatura grega e latina, de que as mulheres “existem” para ser assediadas e, a não ser que o consigam impedir de alguma forma, violadas. Quem se der ao trabalho de ler um texto como as Metamorfoses de Ovídio tem todo este ideário sintetizado de forma bastante aterradora, não obstante (como é óbvio) o extraordinário brilhantismo poético com que é expresso.
Ovídio baseou-se em parte num texto de um poeta grego anterior chamado Parténio, texto cujo título quero aqui traduzir (para efeitos deste post) por “Patologias Eróticas” (ἐρωτικὰ παθήματα), embora o pudéssemos traduzir também por “Sofrimentos de Amor”. Trata-se de um texto onde surgem, entre outras situações, exemplos de mulheres abusadas por parceiros sexuais cuja força física e psicológica lhes permite concretizar o abuso. Mas o que me interessa reter desta referência a Parténio é o tema da patologia erótica.
Voltando ao “negging”: está subjacente a esta técnica de assédio a ideia de que “a mulher típica” (?) reage com desinteresse à manifestação de atracção sincera por parte de um homem, achando porém “desafiante” um homem que lhe tira o tapete debaixo dos pés, fragilizando-a, pois, através da técnica do “negging”. No que consiste esta técnica? Consiste em dizer coisas vagamente agradáveis (“és loira, adoro mulheres loiras”) modalizadas de forma desagradável (“mas estás com um bocado de caspa, ou não?”). Esta mistura da carícia verbal aliada ao coice psicológico que visa atingir a auto-estima da vítima é, pois, o básico desse comportamento patológico.
Ora a questão seria facilmente arrumada na prateleira dos comportamentos anormais próprios de grunhos complexados se, no seu encalço, não arrastasse uma outra questão que, já fora do âmbito da patologia grave, não deixa de suscitar dúvidas em muit@s de nós.
E a questão é esta: é verdade que a melhor maneira de provocarmos o desinteresse da parte de alguém que nos interessa é mostrarmos sinceramente que estamos interessad@s? O homem que dá a entender à mulher amada que a acha a pessoa mais fascinante à face da terra não corre o risco de que ela o ache um cretino? Por outro lado, sentirmos da parte da pessoa que “queremos” que ela não nos quer não nos leva a querê-la ainda mais? Estou aqui a lançar perguntas meramente teóricas. Pois pela parte que me toca, sempre fui adepto convicto de mostrar sinceramente, de peito aberto, o que sinto; e sempre apreciei profundamente essa qualidade nos outros.
No entanto, como leitor de poesia antiga e como alguém que, embora não praticando já a arte da ficção narrativa, observa a vida com espírito de romancista, não posso deixar de me interessar por compreender a lógica das muitas patologias eróticas que a vida oferece à nossa análise. E pergunto-me, assim, se “negging” não será uma realidade aparentada com a fenomenologia a que já fiz aqui várias vezes referência: “só gosto de ti se não gostares de mim”.
Que é o reverso negativo da atitude saudável e infalivelmente propiciadora de felicidade recíproca, que é: “quanto mais gostares de mim, mais eu gosto de ti”.»

Frederico Lourenço - FaceB - 7dez2016

domingo, 4 de dezembro de 2016

Inacção

Atingido por um torpor domingueiro refugio-me na música que o spotify gratuitamente me oferece dando-me apenas ao esforço de escolher uma das muitas temáticas propostas , no caso a "Hora Acústica" , descobrindo músicas , cantores e grupos , na sua grande maioria para mim desconhecidos.
A música pode ser pacificadora e é de paz que preciso .

Estes últimos três meses têm sido interessantes pela descoberta de um eu atapetado pelo tempo mas por ele  , ao mesmo tempo , modificado. Contudo , esse processo, regenerador e revitalizante , foi deixando , como lastro , algum cansaço , o que em si não é mau , tem até pelo contrário um lado aprazível ,  quando se encontram condições propícias para descansar.
Assim foi o dia de hoje : de descanso. Começou com uma caminhada matinal a que se seguiram uns momentos entre os gatos e depois de almoço e da saborosa sesta continuou preguiçosamente entre a leitura e a televisão . Agora a música. Gente desconhecida para mim e jovem como Lily Allen , Shawn Mendes ou Dua Lipa e menos nova como Marisa Monte ou Norah Jones ou grupos como Imagine Dragons , The Lumineers Little Mix , entre outros nomes , têm - me acompanhado nestes minutos finais de um domingo remansoso

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Aspiração

Controla as tuas emoções !
Não mostres abertamente a tua alegria e sê modesto na tua tristeza.
Não sejas falso, cínico ou hipócrita.
A serenidade é um bom oceano para navegar

Episódios

Mal dobrei a esquina do edifício , avistei S. que estava num pequeno grupo com mais duas mulheres bem em frente à porta larga da entrada principal , que eu julgava ainda fechada. Na esquina do hall exterior , encostadas e em silêncio , estavam F. e A. , porventura refugiando-se uma na outra , enquanto mais ninguém aparecia. Indeciso , como muitas vezes acontece , lá optei por me acercar das duas mulheres silentes , cumprimentando-as afavelmente. Ultimamente , tem - me acontecido muito uma coisa engraçada e simultaneamente estranha : um minuto parece durar muito mais que os sessenta segundos que tem . Por isso , não sei avaliar muito bem quanto tempo estive junto daquelas duas almas simpáticas e suaves . Fiz uma  pergunta que já há uns dois ou três dias lhes tinha feito e , claro , obtive a mesma resposta : sim , somos ambas de Lisboa , resposta dada desta vez por F. mas logo de seguida secundada por A. , num tom que não me pareceu de enfado , que talvez eu merecesse , pela duplicação da demanda. Mas não , não se me afigurou que tivessem ficado aborrecidas.